sexta-feira, setembro 10, 2004

Turismo à portuguesa

Artur Varatojo

Um carro de matrícula francesa pára junto de uma velhota que assa sardinhas à porta de casa. É um casal novo, simpático, que nos visita pela primeira vez. O mapa das estradas parece insuficiente para orienta-los na direcção da almejada Nazaré.
Nazaré é uma palavra internacional que nem as mais arrevesadas pronúncias conseguem deturpar. O dedo magro estende-se na direcção da rota certa, mas a jovem francesa, ao sair para desentorpecer as pernas, aspira o cheiro das sardinhas numa expressão de prazer poliglota que a velha entende.
Entra rapidamente em casa e volta com um enorme pão caseiro e uma faca que limpa ao avental. O canto é para a menina, a fatia seguinte para o marido ou noivo! Duas sardinhas loiras, seguras pelo rabo, vêm dormir sobre o pão trigueiro. Os franceses entreolham-se sem compreender, mas o sorriso da anfitriã e as mãos pousadas nas ancas estimulam-nos. Comem à mão, com gritos de prazer ao queimarem os dedos na primeira tentativa. A velhota reserva-lhes uma nova surpresa. São agora duas canecas de tinto que espumam… para rebater!
Ao vê-lo levar a mão ao bolso, a dona das sardinhas julga que ele procura um lenço para limpar as mãos, e quando o vê extrair a carteira, fita-o como se empunhasse uma arma.
- Não senhor! Não é para pagar! É dado!
A mão bate no peito, no sítio do coração, para se fazer entender. A recusa é formal, evidente. Eles não têm outro remédio senão compreender. Acabam de chegar a um país onde o povo faz relações internacionais por instinto. Vem lá de dentro, do peito, do coração.


Artur Varatojo, Varatojo Conta-lhe

2 Comments:

Blogger Maria Arvore said...

E quando escreves ao jeito do mestre? :)

10 março, 2005 22:42  
Blogger Sandman said...

O Mestre deu-me neste texto, um sumário muito completo do que é, para mim, ser português. Não me importava nada de ter o mesmo jeito que ele para colocar, em poucas letras, o "ser português" nas mãos a cheirar a sardinha assada, de uma "velha" à porta de casa. :o)

21 março, 2005 13:17  

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