quarta-feira, agosto 03, 2005

Verão de 1978



A Toyota Hiace era carregada com cestos de plástico de várias cores, repletos de compras da mercearia da rua de baixo. O saco de lona cinzento com a tenda XXL era a primeira coisa a entrar na traseira do veículo. Eu tinha direito a um saco com alguns brinquedos, e a viajar também na parte de trás. Era o segundo ano consecutivo em que ia passar um mês inteirinho na praia da Cova do Vapor, também conhecida, por alguns, como o Bico da Areia.

O primeiro dia era quase sempre Dantesco, mas muito agradável. Escolhia-se o sítio ali mesmo bem perto da primeira praia. Primeiro que tudo, descalçavam-se os ténis para sentir o contacto com a areia no meio dos dedos dos pés suados. A tenda azul de interior laranja era desembrulhada, o pano esticado, e os mais velhos iam pregando as estacas no chão para usar como suporte. Cestos e sacos com provisões, roupa, detergentes e remédios amontoavam-se na base de uma árvore alta. O cheiro dos pinheiros e o ouvir das ondas que deslizavam suavemente de encontro à areia, eram suficientes para pré-visualizar um sem número de dias repletos de água, aventuras, sol, e muita brincadeira.

O meu irmão acorrentava a Zundapp XF-17, e tapava-a com um oleado verde-escuro. Ali andava-se sempre a pé. As manhãs eram sempre muito parecidas. Escolhia-se uma “vítima” madrugadora para ir á Vila comprar pão, leite, e algumas barras de gelo. Normalmente era o meu pai, ou o meu tio, trasmontano de raça, alma e coração. Os restantes iam acordando esporadicamente. Cabelos que apontavam em todas as direcções da rosa-dos-ventos, e os olhos ainda semi-fechados esfregavam-se até que se habituassem à luz forte do sol, ou que fossem passados pela água do jarrican previamente pendurado na árvore para esse efeito, sendo o motivo da primeira risada geral do dia.

Depois alguns dirigiam-se lá mais para o interior da mata. Era uma imagem também muito caricata. Ainda meio a dormir e com o rolo de papel higiénico debaixo do braço, palmilhava-se o terreno com muito cuidado. Entretanto a minha mãe e a minha tia, vestidas claro, com as tradicionais batas sem mangas, trocavam fervedores e pacotes de manteiga semi-derretida. As sandes eram passadas de mão em mão até aos que se encontravam sentados. A caneca de leite com chocolate demasiado quente, era cuidadosamente pousada na areia, à frente das pernas entrelaçadas. Enquanto comia a primeira refeição, ia antecedendo o dia, a fim de não perder nem um segundo das minhas férias grandes.

Lembro-me particularmente, de algumas casas em ruínas, onde se encontravam alguns cavalos, para quem quisesse dar uma voltinha pelas redondezas.

Mesmo sem televisão, as noites eram igualmente bem passadas. Desde visitas à vila, a jogos e passatempos, às vezes inventados na altura, tudo servia para soltar gargalhadas enquanto se aguardava o dia seguinte, e claro, a altura para dar uns mergulhos na areia.

Tirando as ocasionais peripécias, como os golpes na sola dos pés, anzóis espetados nos dedos, quando se procuravam os berbigões submersos na areia da baía, e até mesmo algumas bolhas nas costas causadas pelo tempo excessivo ao sol, tudo corria às mil maravilhas.

Esses dias já passaram. Agora são parques de campismo com hipermercado, cinema, cafés, e até mesmo salas com PC’s para não se deixar encher o mail, ou mesmo casas alugadas com tudo o que é comodidades. Mas, adorava os dias em que a resina dos árvores se colava à roupa, as agulhas dos pinheiros me picavam as mãos, e até mesmo o nascer de um dia sem sol me deixava alegre e feliz por ali estar...

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

esse teu texto fez-me lembrar as ferias em monte gordo...todo o ritual de montagem da tenda, das filas para o gelo, dos mosquitos...do dum-dum posto na tenda antes de irmos dormir...e da praia, daquele areal imenso ate vrs antonio. fizeste-me aflorar á memoria, esse pedaços guardados da minha adolescencia. Obrigado e aquele abraço

25 agosto, 2005 21:52  
Blogger Sandman said...

Boas, paulpi.
Pois é, foi um post dedicado a memórias não esquecidas.

Um abraço, e bom fds.

26 agosto, 2005 13:25  

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