sábado, outubro 02, 2004

Poesia, ou desabafos

Olhei para a frente, na esperança de te ver… As arvores que me ladeavam sobrepunham-se a pensamentos menos próprios. Quantas vezes eu desejei que elas não estivessem ali para me chamar à razão.

Códigos de conduta, normas morais, todas as regras do bom viver me diziam que estava errado, mas algo falava mais forte…

À noite, aquando entrava em meio mundo teu, tudo se transformava em algo bonito. Já não ousava pensar em nada mais, mas sentir a tua presença, o teu ser… Seria mesmo assim? Quantas vezes eu me perguntava a mim mesmo, se o que fazia estava certo…

Mas nada se perdia… Por entre trocas de palavras subtis, de toques sem mãos, de olhares sem ver, eu ia satisfazendo o meu ego… Não o preenchia, mas rodeava-o de ares confortantes, que iam sendo, talvez, suficientes…

Palavras que se escreviam à minha frente, dispostas num vidro frio, que não se tocava, mas que emanavam calor, iam formando frases, completando conversas, dando conhecimento de algo cada vez mais desejado, mas por muito que esses pensamentos se manifestassem, não iam passar disso, de pensamentos bons, de desejos profundos, de… de…

Aquelas alturas em que ouvia o som proferido pela sua voz, aqueles momentos únicos, eram algo por que se esperava, e quando acontecia, completava todos os pensamentos que se anteviram até esse momento… O soar doce da sua voz, fazia-me voar por entre sonhos só meus, por cristais que reflectiam na perfeição tudo o que existia de bom… Podia-se sonhar nessas alturas… Embora tentasse reprimir o que sentia, eu mesmo me sentia tenso e com muita vontade de a ter para mim… Sonhos…

Agora que penso em tudo, de certo modo agrada-me saber que os sentimentos e as curtas manifestações que se fazem ouvir, são recebidos com trocas de palavras bonitas e sentidas…

Sonha-se com a esse momento em que a vou poder olhar nos olhos, e ver neles reflexos de brilho, luz, magia indescritível… Embora reprimida, vive-se este dia-a-dia com gosto, sentindo as suas palavras na noite, e revelando-as em companhia do calor do sol...

 

Mãe, vem ouvir...





Vem ouvir a minha cabeça a contar histórias ricas que ainda não viajei!
Trazer tinta encarnada para escrever estas coisas! Tinta cor de sangue, sangue verdadeiro, encarnado!

Mãe! Passa a tua mão pela minha cabeça! Eu ainda não fiz viagens e a minha cabeça não se lembra senão de viagens! Eu vou viajar. Tenho sede! Eu prometo saber viajar.

Quando voltar é para subir os degraus da tua casa, um por um. Eu vou aprender de cor os degraus da nossa casa. Depois venho sentar-me ao teu lado. Tu a coseres e eu a contar-te as minhas viagens, aquelas que eu viajei, tão parecidas com as que não viajei, escritas ambas com as mesmas palavras.

Mãe! Ata as tuas mãos às minhas e dá um nó cego muito apertado! Eu quero ser qualquer coisa da nossa casa. Como a mesa. Eu também quero ter um feitio que sirva exactamente para a nossa casa, como a mesa. Mãe! Passa a tua mão pela minha cabeça!
Quando passas a tua mão na minha cabeça é tudo tão verdade!...


Minda ( Dezembro 2003 )

 

Acordei no meio da noite.

Acordei a meio da noite…

Não ouvia nada, E também não penso que tivesse acordado por causa de alguma luz… Acordei…O quarto estava realmente em silêncio absoluto.

Olhei em redor. Algumas roupas estavam mal arrumadas, espalhadas, como se quem as tivesse ali posto, estivesse a pensar em tudo menos na disposição da roupa. A porta estava encostada, e a da janela podiam ver-se alguns fachos de uma tímida luz.

Olhei para o lado, e ali estava ela…Olhei-a durante algum tempo. Dormia como um anjo… Um anjo aprisionado no corpo de uma mulher. Mesmo a dormir, emanava de si um brilho singular. As suas costas estavam quase a descoberto. Os seus longos cabelos louros amimavam o seu rosto com ondas suaves e brilhantes, até que se perdiam no lençol, sem antes afagar um pouco das suas costas nuas. A sua mão esquerda estava perto da face, como se procurasse abrigo. A sua pele apresentava-se com uma cor dourada, talvez por causa do brilho ameno que a lua induzia naquela noite de Inverno. As pálpebras fechadas abrigavam os seus olhos verde turquesa, descontentando-me assim de ver um dos mais bonitos a que já tivera oportunidade.

A sua respiração apresentava-se serena, tranquila, contrastando assim com momentos bonitos passados algumas horas antes. Sentia-me muito bem. Para que melhorasse ainda mais, talvez só se soubesse que aquele sonho era partilhado por dois. Talvez se pudéssemos ter olhado bem dentro dos olhos… Talvez se tivéssemos ido passear os dois na praia, e trouxesse-mos os pés sujos de areia…

A praia continua lá… A areia também é renovada com brisas infindáveis, e no meu peito, no meu peito encontra-se aprisionada uma vontade imensa de lhe tapar as costas nas noites de Inverno, e de ouvir o seu respirar sereno, enquanto fecho os olhos, e encosto a sua mão esquerda no meu peito…